terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Introdução ao Constitucionalismo e a Constituição: o conceito de patriotismo constitucional e a experiência alemã na teoria de Jürgen Habermas

Prezados, um filósofo, para alguns considerado um filósofo do direito, Jürgen Habermas, salientou a importância do fenômeno constitucional ao difundir a expressão "patriotismo constitucional". O conceito, surgido dos escritos de Dolf Sternberger, se avolumou teoricamente a partir do fermento posto por Habermas. É importante ressaltar que Dolf Sternberger cunhou o termo para se referir a ancoragem feita pelo povo alemão em torno da Lei Fundamental logo após a Segunda Guerra, abdicando de um patriotismo nucleado na tradição linguística, histórica e étnica do povo alemão que, como sabemos, resultou no nazismo. Diz Sternberger:

"Pois bem, nessa medida se formou de maneira imperceptível um segundo patriotismo, que se funda precisamente na Constituição. O sentimento nacional permanece ferido e nós não vivemos em uma Alemanha completa. Mas vivemos na integridade de uma Constituição, em um Estado constitucional completo e este mesmo é uma espécie de pátria" ( apud Maia)

Poderíamos até dizer que, para usar uma linguagem da psicanálise, o povo alemão, na impossibilidade (moral, digo eu) de manter um nacionalismo de viés tradicional, se reconstruiu enquanto nação em torno da ideia de Constituição por uma operação de sublimação, tal como Freud havia apontado para pessoas de comportamento obsessivo-compulsivo. Não estou inovando ao aplicar conceitos da psicanálise para massas e grupos, vale como exemplo os conceitos de Norbert Elias, e no campo do direito a sugestiva tese de Ingeborg Maus ( o judiciário como superego da sociedade).
Como sabemos, o nazismo representou uma quebra da tradição ocidental tanto em termos práticos como teóricos, e sua ascensão na Alemanha tem caráter estritamente patológico, e longe de caracterizar uma nova ordem jurídico-política, representou a destruição da dimensão política no sentido clássico, pois está se funda não na coação, mas na legitimidade, se funda na autoridade e não na violência, como ressalta Arendt.

O desenvolvimento do conceito de Verfassungspatriotismus (patriotismo constitucional) defendida por Habermas se dirige exatamente no sentido de um grupo social se autocompreender como ambiente em que viceja a pluralidade e não a homogeneidade em termos culturais. Não é mais a língua, a etnia, a cultura, o passado histórico que serve como elemento nucleador da identidade nacional proposta por Habermas, mas é um elemento essencialmente político, no sentido de política  dada pelos gregos, ou seja, como dimensão arquitetônica do mundo prático. Nesse sentido, diz Maia:

"Recusa-se assim, às construções que procuram estabelecer pertencimento pré-políticos como base essencial garantidora da solidariedade entre estranhos" (Ibid,p. 180).

Deve-se mencionar também que Habermas (em resposta ao revisionismo histórico da década de 80) formula outro conceito que vai se conjugar de forma axial ao de patriotismo constitucional, qual seja, o de identidade pós-convencional. Fundando nas contribuições de Piaget e de Kolberg, Habermas vai afirmar que a formação de uma identidade pós-convencional se funda na capacidade do indivíduo de avaliar suas convicções morais em termos de máximas éticas gerais. É bem verdade que essa teoria vai sofrer uma crítica em razão do forte apelo a um racionalismo abstrativo, e e será exatamente nesse aspecto que seu principal colaborador e discípulo no Instituto de Pesquisa Social, Axel Honneth, irá apontar aquilo que ele chamará de déficit sociológico da teoria de Habermas.

Porém, diferentemente de Honneth, um outro crítico mais favorável ao patriotismo constitucional habermesiano, Michelman, entende que este possibilita a confecção de uma idéia constitucional e um sentimento comunitário empírico, ou seja, ele possibilita uma identidade não fundada totalmente a partir da dimensão racional mas também teria um lastro empírico, de sentimento, de convicção, de motivação em torno de uma estrutura formal que permita uma determinada ideia politica reguladora, inspirando a lealdade dos cidadãos bem a exemplo, como o próprio Habermas salienta, da religião cívica norte-americana.
Por fim, as questões postas por Habermas ainda se encontram na agenda dos debates mesmo em sociedades com problemas distintos da Alemanha e da Europa, como é o Brasil, cujo nacionalismo não se aproximou da xenofobia presente naquelas formações sociais. Mas como vivemos em uma sociedade de imigração onde as questões culturais e o multiculturalismo tem forte implicações, o que torna oportuna sua teoria  para a realidade brasileira,  não somente o patriotismo constitucional mas também com seu conceito de esfera pública. Nesse sentido o último exame de ensino médio, o ENEM 2012, formou uma questão a partir de trecho da obra de Habermas, A inclusão do outro, que colocamos ao lado como oportuna para um enquete.


O patriotismo constitucional e a experiência constitucional brasileira


Como diversos autores tem destacado a principal deficiência da cidadania brasileira está em sua fraca autoestima, falta ao brasileiro uma motivação em torno das suas instituições políticas. Há na verdade, no noticiário nacional uma enxurrada de fatos relacionados a eventos de corrupção, de ineficiência governamental, de ausência de princípios éticos que regulem as relações entre partidos políticos e o Estado. Além desses elementos, que chamaria de intrínsecos a formação social brasileira, tem sofrido forte impacto de elementos extrínsecos, como a globalização, em todas as sua nuances, financeira, politica, cultural e jurídica (tráfico, imigração ilegal, etc.) exigindo também uma reação no plano interno à esse problemas externos. 
Temos uma alma dividida em uma sociedade dividida, queremos nos desfazer do corpo social cuja integridade permite nosso existência espiritual, portanto, coexistem um movimento centrífugo com um movimento centrípeto, em situações limites queremos nos desfazer da identidade nacional (vinculada a esses elemento intrínsecos mencionados acima), mas é exatamente esse "corpo" que nos permite existir e resistir. 
Diante desse quadro a formulação de um patriotismo constitucional à maneira brasileira ( nenhuma referência ao "jeitinho brasileiro" mas de respeito à construção histórica da brasilidade) é oportuna e bem-vinda. Isso permitiria que o processo de amadurecimento das instituições política e jurídicas brasileiras, iniciado pela Constituição Federal de 1988, se tornasse durável pois implicaria um lastro de legitimação dando à Constituição formal a dimensão substancial necessária a efetivação de direitos. 
Dentro desse quadro teórico e prático, é que nos propomos ao estudo do direito constitucional, especialmente por considerar que a realidade brasileira traz implicações próprias para essa área. Uma sociedade altamente dividida e fragilizada em termos socioeconômicos exige considerações sobre a capacidade da norma constitucional vir a torna-se não apenas um elemento aglutinador das convicções de cidadania, mas também de se perguntar sobre a sua natureza normativa, como propõe a discussão de Konrad Hesse em sua obra A força normativa da Constituição. Todas essas questões serão discutidas no decorrer da disciplina Direito Constitucional, começando pelo tópico Teoria Constitucional, depois avançando sobre o Poder Constituinte e por fim, mas não ao cabo, o Controle de Constitucionalidade das Leis e os Atos Normativos. 


Falbert Sena